Retirando da lama alimenta para alma.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Fingi ser gari por 8 anos e vivi como um ser invisível

Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da'invisibilidade pública'. Ele comprovou que, em geral, as pessoas enxergamapenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado sob essecritério, vira mera sombra social.Plínio Delphino, Diário de São Paulo.
O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são 'seres invisíveis,sem nome'. Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da 'invisibilidade pública', ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa.Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida:'Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência', explica opesquisador.O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como umser humano. 'Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão', diz. Apesar do castigo do sol forte, do trabalho pesado e das humilhações diárias, segundo o psicólogo, são acolhedores com quem os enxerga. E encontram no silêncio a defesa contra quem os ignora.

 

- Diário - Como é que você teve essa idéia?

- Fernando Braga da Costa - Meu orientador desde a graduação, o professorJosé Moura Gonçalves Filho, sugeriu aos alunos, como uma das provas deavaliação, que a gente se engajasse numa tarefa proletária. Uma forma de atividade profissional que não exigisse qualificação técnica nem acadêmica.Então, basicamente, profissões das classes pobres.

 

-Diário - Com que objetivo?

- Fernando Braga da Costa - A função do meu mestrado era compreender e analisar a condição de trabalhodeles (os garis), e a maneira como eles estão inseridos na cena pública. Ou seja, estudar a condição moral e psicológica a qual eles estão sujeitos dentro da sociedade. Outro nível de investigação, que vai ser priorizado agora no doutorado, é analisar e verificar as barreiras e as aberturas que se operam no encontro do psicólogo social com os garis.

 

-Diário - Que barreiras são essas, que aberturas são essas, e como se dá aaproximação? Quando você começou a trabalhar, os garis notaram que se tratava de um estudante fazendo pesquisa?

- Fernando Braga da Costa - Eu vesti um uniforme que era todo vermelho, boné, camisa e tal.Chegando lá eu tinha a expectativa de me apresentar como novo funcionário,recém-contratado pela USP pra varrer rua com eles. Mas os garis sacaram logo, entretanto nada me disseram. Existe uma coisa típica dos garis: são pessoas vindas do Nordeste, negros ou mulatos em geral. Eu sou branquelo,mas isso talvez não seja o diferencial, porque muitos garis ali são brancos também. Você tem uma série de fatores que são ainda mais determinantes,como a maneira de falarmos, o modo de a gente olhar ou de posicionar o nosso corpo, a maneira como gesticulamos.. Os garis conseguem definir essa diferenças com algumas frases que são simplesmente formidáveis.

 

- Diário -Dê um exemplo.

- Fernando Braga da Costa - Nós estávamos varrendo e, em determinado momento, comecei a papear com um dos garis. De repente, ele viu um sujeito de 35 ou 40 anos de idade,subindo a rua a pé, muito bem arrumado com uma pastinha de couro na mão. O sujeito passou pela gente e não nos cumprimentou, o que é comum nessas situações. O gari, sem se referir claramente ao homem que acabara de passar, virou-se pra mim e começou a falar: 'É Fernando, quando o sujeito vem andando você logo sabe se o cabra é do dinheiro ou não.Porque peão anda macio, quase não faz barulho. Já o pessoal da outra classe você só ouve o toc-toc dos passos. E quando a gente está esperando o trem logo percebe também: o peão fica todo encolhidinho olhando pra baixo. Eles não. Ficam com olhar só por cima de toda a peãozada, segurando a pastinha na mão'.

 

- Diário - Quanto tempo depois eles falaram sobre essa percepção de que você eradiferente?

- Fernando Braga da Costa - Isso não precisou nem ser comentado, porque os fatos no primeiro dia de trabalho já deixaram muito claro que eles sabiam que eu não era um gari.Fui tratado de uma forma completamente diferente. Os garis são carregados na caçamba da caminhonete junto com as ferramentas. É como se eles fossem ferramentas também. Eles não deixaram eu viajar na caçamba, quiseram que eu fosse na cabine. Tive de insistir muito para poder viajar com eles na caçamba. Chegando no lugar de trabalho, continuaram me tratando diferente. As vassouras eram todas muito velhas. A única vassoura nova já estava reservada para mim. Não me deixaram usar a pá e a enxada, porque era um serviço mais pesado. Eles fizeram questão de que eu trabalhasse só com a vassoura e, mesmo assim, num lugar mais limpinho, e isso tudo foi dando a dimensão de que os garis sabiam que eu não tinha a mesma origem socioeconômica deles.

 

- Diário - Quer dizer que eles se diminuíram com a sua presença?

- Fernando Braga da Costa - Não foi uma questão de se menosprezar, mas sim de me proteger.

 

- Diário - Eles testaram você?

- Fernando Braga da Costa - No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas,intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca improvisada, parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse:'E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?' E eu bebi.Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversarcomigo, a contar piada, brincar.

 

- Diário - O que você sentiu na pele, trabalhando como gari?

- Fernando Braga da Costa - Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí euentrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, descia escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente alanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado.

 

- Diário - E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou?

- Fernando Braga da Costa - Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando- professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse passando por um poste, uma árvore, um orelhão.

 

- Diário - E quando você volta para casa, para seu mundo real?

- Fernando Braga da Costa - Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Esses homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador. Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo nome. São tratados comose fossem uma 'COISA'.

Pecadores sem maldição

Desde a adolescência, organizei minha vida com valores religiosos. Freqüentei e lecionei em escolas dominicais. Militei em grupos de jovens cristãos. Estudei em um instituto bíblico. Conheci bem os bastidores do mundo religioso, tanto no Brasil como nos Estados Unidos. 


Sincero e zeloso, sempre procurei cumprir as exigências de todas as instituições que participei. Se a igreja não permitia as mulheres cortarem o cabelo, briguei com a minha por aparar as franjas; se era pecado ir ao cinema, eu, que não aceitava essa proibição absurda, para evitar mau testemunho, viajava para longe se queria ver algum filme.

Relevei disparates, incoerências e hipocrisias eclesiásticas, porque considerava a causa de Cristo mais importante que as pessoas. Para não “escandalizar”, fazia vista grossa para comportamentos incompatíveis com a mensagem cristã. 

Abraçado às instituições, acabei conivente de mercenários, alguns intencionalmente cobiçosos. Justifiquei tolices argumentando que as pessoas eram minimamente sinceras. Nem sei como me iludi a ponto de dizer: “fulano faz bobagem, muita bobagem, mas é sincero”.

Cheguei a um tempo de vida, que algumas reivindicações da religião perderam o apelo. Com tantas decepções, deixei de acreditar na pretensa santidade dos religiosos. Considero piegas as pregações de que Deus exige uma santidade perfeita. Lembro imediatamente dos malabarismos que testemunhei que tentavam falsear tantas inadequações, dos jogos de esconde-esconde para não expor demagogias.

Jesus não conviveu com gente muito certinha. Ao contrário, ele os evitava e criticava. Chamou os austeros sacerdotes de sepulcros caiados, de cegos que guiam outros cegos, de hipócritas e, o mais grave, de condenarem os prosélitos a um duplo inferno. Cristo gostava da companhia dos pecadores, que lhe pareciam mais humanos.

Jesus alistou pessoas bem difíceis para serem apóstolos; Pedro era tempestivo; Tomé, hesitante; João, vingativo; Filipe, lento em compreender; Judas, ladrão. Acostumado com os freqüentadores de sinagoga e com os doutores da Lei, por que ele não buscou seguidores nesses círculos? Talvez, não entendesse santidade e perfeição como muitos.

Jesus aceitou que uma mulher de reputação duvidosa lhe derramasse perfume; elogiou a fé de um centurião romano, adorador de ídolos; não permitiu que apedrejassem uma adúltera para perdoá-la; mostrou-se surpreso com a determinação de uma Cananéia; prometeu o paraíso para um ladrão nos estertores da morte. Sabedor das exigências da lei, por que Jesus não mediu esforços ou palavras para enaltecer gente assim? Talvez, não entendesse santidade e perfeição como muitos.

Para Jesus, santidade não significava uma simples obediência de normas. Para ele, os atos não valem o mesmo que as intenções. Adultério não se restringe a sexo, mas tem a ver com valores que podem ou não gerar uma traição. 

O ódio que explode com ânsias de matar é mais grave do que o próprio homicídio. Para ele, portanto, pecado e santidade fazem parte das dimensões mais profundas do ser humano. Lá, naquele nascedouro, de onde brotam os primeiros filetes do que se transformará em um rio, forma-se o caráter. E santidade depende da estrutura do ser, com índole que gera as decisões.

Para Jesus, santidade se confunde com integridade; que deve ser compreendida como inteireza. As sombras, as faltas, as inadequações, os defeitos, bem como as luzes, as bondades, as grandezas, as virtudes, de cada um precisam ser encaradas sem medos, sem panacéias, sem eufemismos. 

Deus não requer vidas perfeitinhas, pois ele sabe que a estrutura humana é pó; não exige correção absoluta, pois para isso, teria que nos converter em anjos.

As prostitutas, que souberem lidar com faltas e defeitos com inteireza, precederão os sacerdotes bem compostos, mas que vivem de varrer as faltas para debaixo dos tapetes eclesiásticos. O samaritano, que traduziu humanidade em um gesto de solidariedade, é herói de uma parábola que descreve como herdar o céu. O tempestivo Pedro, que transpirava sinceridade, recebeu as chaves do Reino de Deus. A mulher, que fora possessa de sete demônios, anuncia a alvissareira notícia da ressurreição.

Os mandamentos e a lei só serviram para mostrar que para produzir humanidade não servem os legalismos. Integridade e santidade nascem  do exercício constante de confrontar suas luzes e sombras trazendo-as diante de Deus e mesmo assim saber-se amado por Ele.

 

Autor : Ricardo Gondim

Fonte : http://www.ricardogondim.com.br/

E se a gente quisesse falar com Deus!?...

Olá pessoal, estou voltando a postar depois de um certo tempo sem postar nada devido a escassez de tempo, mas estamos de volta com textos bem interessantes. 

por Luiz Eduardo Prates da Silva

Texto para um tempo de fundamentalismos, de sectarismos,de intolerâncias, de condenações...

Engana-se quem pensa que Deus está guardado nas sólidas paredes das doutrinas eclesiásticas. Ele espia nas frestas dos dogmas e seu olhar ilumina a vida....

Engana-se quem pensa que Deus está nas certezas inabaláveis capazes de ter sempre uma resposta pronta. Ele está na dúvida que provoca o pensar e desperta o agir mesmo incerto...

Engana-se quem pensa que Deus está nas convicções que provocam a intolerância. Ele está no respeito ao diferente e no compungir do coração que impele ao gesto de amor...

Engana-se quem pensa que Deus é uma peça da burocracia de qualquer culto e está bitolado pela compreensão das autoridades. Ele se ri do lado de fora das reuniões solenes e brinca com as crianças que não puderam entrar para não atrapalhar a cerimônia...

Engana-se quem pensa que Deus está nos mais corretos preceitos da moral e condena qualquer que deles se desviar. Ele está no acolhimento de todos e no amor apesar de...

Engana-se quem pensa que Deus compactua com os que pagam para serem reconhecidos como religiosos e no coração tem uma pedra. Ele está nos que não têm nada para dar e esperam por Ele como última tábua de salvação...

Engana-se quem pensa que Deus participa dos conselhos dos notáveis, que decretam a morte calculada com cifras tidas por estéreis. Ele está nos famintos de pão e de sentido e é encontrado nos lugares menos esperados...

Ele não está no monólito frio, mas na onda incessante que sempre chega...
Ele não está no furacão insensível, mas na brisa que refresca...
Ele não está na secura do deserto, mas no cacto que o resiste à aridez...
Ele não está na barragem que desvia o rio, mas no fluir alegre da água...
Ele não está no abismo que interrompe a marcha, mas na ponte que convida à outra margem...
Ele não está na escuridão que infunde medo, mas na claridade que prenuncia mais uma aurora...
Ele não está no espinho que fere, mas na flor que alimenta o pássaro de néctar e os olhos de beleza...
Ele não está na repreensão que destrói, mas na palavra amiga que orienta...
Ele não está na cara amarrada que condena, mas no sorriso afável que acolhe...
Ele não está na pose arrogante que separa, mas na simplicidade que aproxima...
Ele não está na ironia sarcástica que rejeita, mas na compreensão solidária que dialoga...
Ele não está no desprezo que anula, mas no incentivo que sustenta...
Ele não está no orgulho que desdenha, mas na humildade que cativa...
Ele não está na correção que faz colocar-se ‘no seu lugar’, mas na advertência respeitosa que constrói parceria...

Em fim, Ele não está no Todo Poderoso inatingível, mas no homem Jesus, o Cristo ressuscitado!

E no entanto, Ele pode ser doutrina e monólito e repreensão ou estar em tudo o de que se disse que Ele não está, ou ser tudo o que se disse que não é, porém sem ferir ou magoar ninguém...

A Ele, pois, cabe o Poder a Honra e a Glória, para todo o sempre! E a nós, segui-lo...


Autor :Rev. Luiz Eduardo Prates da Silva(Universidade Metodista de São Paulo)