Retirando da lama alimenta para alma.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Maravilhosa graça - Sem impedimentos

Estamos acostumados a achar um impedimento em cada promessa, mas as histórias de Jesus a respeito da graça extravagante não incluem nenhum impedimento, nenhuma brecha nos desqualificando do amor de Deus. Cada uma delas traz no seu âmago um final bom demais para ser verdadeiro — ou tão bom que tem de ser verdadeiro.   

Como essas histórias são diferentes das minhas próprias noções de Deus na minha infância: um Deus que perdoa, sim, mas relutantemente, depois de fazer o penitente contorcer-se. Eu imaginava Deus como uma figura trovejante e distante que prefere medo e respeito ao amor. Jesus, pelo contrário, fala de um pai publicamente se humilhando e correndo ao encontro do filho para abraçar aquele que desperdiçou metade da fortuna da família. Não há nenhum discurso solene: "Espero que você tenha aprendido a lição!". Pelo contrário, Jesus fala da jovialidade do pai — "Pois este meu filho2 estava morto, e reviveu; tinha-se perdido, e foi achado" — e então acrescenta a frase animadora: "E começaram a alegrar-se".   O que impede o perdão não é a relutância de Deus — "Quando ainda3 estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão" — mas a nossa. Os braços de Deus estão sempre estendidos; nós é que nos desviamos.   

Tenho meditado bastante a respeito das histórias da graça contadas por Jesus para deixar seu significado filtrar-se. Ainda assim, cada vez que me confronto com as suas mensagens surpreendentes, percebo como o véu da desgraça obscurece minha visão de Deus. Uma dona de casa saltando de alegria pela descoberta de uma moeda perdida não é o que vem naturalmente à mente quando penso em Deus. Mas essa é a imagem na qual Jesus insistia. 

A história do Filho Pródigo, afinal, aparece numa série de três histórias — a ovelha perdida, a moeda perdida, o filho perdido —, todas destacando o mesmo ponto. Cada uma delas destaca o sentimento de perda, fala da alegria da redescoberta e termina com uma cena de júbilo. Jesus diz realmente: "Você quer saber como é ser Deus? Quando um desses seres humanos me dá atenção é como se eu tivesse acabado de encontrar minha propriedade mais valiosa, que eu considerava perdida para sempre". Para o próprio Deus é como se fosse a descoberta de toda uma vida. É estranho, mas a redescoberta pode tocar-nos mais profundamente do que a descoberta. Perder e depois achar uma caneta Mont Blanc torna o proprietário mais feliz do que no dia em que a adquiriu. Um dia, antes dos computadores, perdi quatro capítulos de um livro que estava escrevendo ao deixar a única cópia na gaveta de um hotel. Durante duas semanas o hotel insistiu em que o pessoal da limpeza havia jogado os papéis no lixo. Fiquei inconsolável. Como iria ter energia para começar tudo de novo, quando durante meses havia trabalhado polindo e melhorando aqueles quatro capítulos? Nunca mais encontraria as mesmas palavras. Então, um dia, uma faxineira que mal falava inglês me telefonou para dizer que não havia jogado os capítulos no lixo. Creia-me, senti muito mais alegria pelos capítulos encontrados do que sentira no processo de escrevê-los. 

Essa experiência me dá uma idéia de como um pai deve sentir-se quando recebe um telefonema do FBI contando que a filha seqüestrada há seis meses fora finalmente localizada, viva. Ou de uma esposa ao receber a visita do porta-voz do Exército desculpando-se pelo engano: seu marido não estava a bordo do helicóptero que caiu. Essas imagens dão um mero vislumbre de como deve sentir-se o Criador do Universo quando recebe de volta um outro membro de sua família. Nas palavras de Jesus: "Assim vos digo4 que há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende".   

O evangelho não é, de maneira nenhuma, o que nós sugerimos. Eu, por minha vez, esperaria que se honrasse a virtude contra a libertinagem. Eu esperaria ter de me purificar para marcar uma audiência com um Deus Santo. Mas Jesus falou de Deus ignorando o mestre religioso que se achava fantástico e deu atenção a um pecador comum que rogava: "Ó Deus, tem misericórdia".6 Em toda a Bíblia, na verdade, Deus demonstra uma notável preferência por pessoas "autênticas" em vez de pessoas "boas". Nas palavras do próprio Jesus: "Haverá alegria no céu7 por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento".   

Em um de seus últimos atos antes de morrer, Jesus perdoou o ladrão que pendia de uma cruz, sabendo muito bem que o ladrão havia-se convertido por causa de puro medo. Esse ladrão nunca estudaria a Bíblia, nunca freqüentaria uma sinagoga ou igreja e nunca acertaria a sua vida com todos aqueles que havia prejudicado. Ele simplesmente disse: "Senhor, lembra-te8 de mim", e Jesus lhe prometeu: "Hoje estarás comigo no paraíso". Foi outro lembrete chocante de que a graça não depende do que fizemos por Deus, mas, antes, do que Deus fez por nós.   

Pergunte às pessoas o que elas devem fazer para ir para o céu e a maioria vai responder: "Ser bom". As histórias de Jesus contradizem essa resposta. Tudo que devemos fazer é clamar: "Socorro!". Deus recebe em sua casa qualquer um que o fizer e, de fato, já deu o primeiro passo. A maioria dos especialistas — médicos, advogados, conselheiros matrimoniais — dão-se alto valor e esperam que os clientes venham a eles. Deus, não. Como Sören Kierkegaard9 disse: Quando se trata de um pecador Ele não fica simplesmente parado, com os braços abertos e dizendo: "Venha cã". Não. Ele fica ali e espera, como o pai do filho perdido esperou; ou melhor, ele não fica parado esperando: sai procurando, como o pastor procurou a ovelha perdida, como a mulher procurou a moeda perdida. Ele vai — não, Ele foi — infinitamente mais longe do que qualquer pastor ou qualquer mulher. Ele seguiu calmamente o longo e infinito caminho de ser Deus para se tornar homem e, desse modo, foi procurar os pecadores.   

Kierkegaard coloca o dedo sobre aquele que talvez seja o mais importante aspecto das parábolas de Jesus. Elas não são simplesmente histórias agradáveis para prender a atenção dos ouvintes ou vasos literários para guardar verdades teológicas. Elas foram, realmente, o modelo da vida de Jesus na terra. Ele foi o pastor que deixou a segurança do aprisco para sair na noite escura e perigosa lá fora. Nos seus banquetes ele recebeu cobradores de impostos, réprobos e prostitutas. Ele veio por causa dos doentes e não por causa dos sãos, pelos injustos e não pelos justos. E àqueles que o traíram — especialmente os discípulos, que o abandonaram na hora de sua maior necessidade — Ele respondeu como um pai cego de amor. teólogo Karl Barth, depois de escrever milhares de páginas em sua obra Church Dogmatics (Dogmas da Igreja), encontrou esta simples definição de Deus: "Aquele que ama".   

Não faz muito tempo um pastor amigo meu me contou que lutava com sua filha de quinze anos de idade. Ele sabia que ela tomava anticoncepcionais, e várias noites nem havia voltado para casa. Os pais tentaram várias formas de castigo, sem resultado. A filha mentia, enganava, e ainda encontrou um jeito de acusá-los: "A culpa é de vocês, por serem tão rigorosos!". Meu amigo me disse: "Eu me lembro de ter ficado diante da janela da sala de estar, olhando para a escuridão, à espera de ela voltar para casa. 

Eu sentia tanta raiva. Eu queria ser como o pai do Filho Pródigo, mas estava furioso com minha filha pelo jeito com que ela nos manipulava para nos machucar. E, naturalmente, ela se machucava mais do que ninguém. Eu compreendi a passagem nos profetas expressando a ira de Deus. O povo sabia como machucá-lo, e Deus gritava sentindo dor. "Mas, vou-lhe dizer, quando minha filha voltou para casa naquela noite, ou quase no dia seguinte, o que eu mais desejava no mundo era tomá-la em meus braços, confessar o meu amor por ela e dizer-lhe que queria o melhor para ela. 

Eu era um pai desamparado, cego de amor." Agora, quando penso em Deus, levanto a imagem do pai cego de amor que está a milhas de distância do monarca severo que eu costumava imaginar. Penso em meu amigo de pé diante da janela da sala de estar perscrutando dolorosamente as trevas. Penso na descrição que Jesus fez do Pai que espera, sofredor, insultado, mas desejando mais do que tudo perdoar e começar tudo de novo, para anunciar alegremente: "Este meu filho estava morto, mas reviveu; estava perdido, e foi achado".


Autor : Philip Yancey
Fonte : Livro "Maravilhosa graça", Philip Yancey

Sem simplicidade não há cura e graça

O desespero do homem religioso, especialmente do cristão ou do judeu praticantes, é o mais intenso e forte desespero que o coração humano já experimentou. Isso porque esses dois credos religiosos são aqueles que propõem a salvação humana como obra de justiça própria, especialmente de natureza moral.

 

É verdade que qualquer cristão doutrinado que leia o que acabei de falar dirá imediatamente que isto não é verdade quanto ao Cristianismo e, especialmente, não é verdadeiro em relação ao Protestantismo, em razão de que o arcabouço doutrinário da Reforma postula a salvação pela fé na Graça de Jesus. Todavia, todos sabemos que a doutrina é essa, mas que na prática isto nunca foi verdade para a “igreja”. Sim, porque prega-se essa salvação pela fé apenas como argumento alentador na chegada do “novo-crente”. Porém, no dia seguinte ao da “Decisão de ser Crente”, o indivíduo já começa a ser doutrinado na salvação e na santificação moral e autônoma, realidades essas que cada pessoa tem que conquistar a fim de se manter no posto da salvação pela via de sua irrepreensibilidade moral. 

Assim, inicia-se falando o Evangelho como sedução, e, uma vez feito o prosélito, imediatamente ele é transformado num cristão fariseu.

O que segue são barganhas e mais barganhas com Deus, acrescidas de um estado perene de inquietação, nervosismo e culpa — medo de cair... Ou, então, no caso de o indivíduo estar se sentindo “bom” o suficiente para a agradar a Deus pelas suas próprias obras e pela sua própria moral, surge um ser arrogante, nojento e insuportável para a normalidade do convívio humano.

 

Assim nascem os crentes, tanto os neuróticos pela culpa e pela barganha, quanto também o crente santarado, que é esse ser da “dita-dura”, e que trata com raiva e com inveja aqueles aos quais acusa de serem “pecadores”. Sim, porque nesse caso o espírito de juízo e acusação é proporcional à inveja que se tem da liberdade ou do “pecado” do outro.

Tenho muita pena de ambos os grupos, mas especialmente dos que ficam neuróticos pelo peso das acusações que vêm dos crentes fariseus. A leitura de Mateus 23 nos mostra que, para Jesus, esses tais eram seres profundamente danosos quando estabeleciam contato com outros seres humanos, sempre com a vontade obstinada de desconstruir a individualidade do outro, fazendo deste um clone do crente-boneco-fariseu. “Ai de vós...” — foi o que Jesus repetidamente disse a eles, aos fabricantes de “crentes em série”. 

Minha angústia tem a ver com o estado mental adoecido que esses cristãos-fariseus multiplicam e aprofundam a cada novo “discípulo” que fazem. Toda hora atendo “discípulos” desses “cristãos-fariseus” e quase sempre ou os encontro surtados de culpa, medo, débito e pânico de maldição, semi-esquizofrenizados, visto que para se amoldarem à fôrma dentro da qual são postos, a fim de se plastificarem nos moldes “legitimados” pela “religião dos bonequinhos movidos à corda”, tais pessoas precisam matar a si mesmas, aceitando como novo “eu” a caricatura humana proposta pela “igreja”.

Não há alma humana sensível e sincera que aceite tais coisas e não adoeça seriamente. Ora, faz anos que digo isso, bem como faz muito tempo que atendo pessoas sofrendo dos males de alma produzidos pela religião. No entanto, nos últimos anos, a “porteira da alma” se abriu, e a boiada dos angustiados saiu numa corrida atropelada, buscando, aos pinotes de angústia, um pasto de liberdade.

 

Os vícios mentais incutidos pela religião, todavia, são os mais difíceis de serem removidos e tratados. Isso porque quando você ensina às pessoas acerca da Graça de Deus, a questão que invariavelmente chega, é a mesma: “Mas como pode ser tão simples? Não há mais nada a fazer a não ser confiar que já está pago e viver apenas nesta fé?” — é o que me perguntam. 

A pedra de tropeço dos crentes é o Evangelho de Jesus. Sim, são os crentes os que mais dificuldade têm de crer que é apenas crer. 

De fato, a maioria sofre da Síndrome de Naamã, o Sírio. Sendo general importante e sofrendo de lepra, foi-lhe recomendado a ir até a presença de Eliseu, o profeta de Samaria. Ao chegar lá, o profeta nem mesmo saiu de casa a fim de atender o general, mas apenas mandou que ele fosse até as águas do Jordão e se lavasse 7 vezes. Naamã não quis ir. Achou simples de-mais. Esperava que Eliseu viesse, lhe prestasse honras, dedicasse a ele um rito, movesse as mãos sobre as feridas dele, e, assim, feitos “os trabalhos”, Naamã fosse declarado curado. De fato, tão contrariado ficou o general, que já estava indo embora quando um de seus servos lhe disse: “Se o profeta tivesse recomendado algo difícil e complicado tu não o farias? Ora, por que não fazes o que ele manda apenas por que é simples?”

O que vejo prevalecer entre os cristãos é que mentalidade do “difícil”, a consciência pagã de Naamã, e os mecanismos de cura pagã, sempre carregados de “correntes e campanhas”, todas baseadas em barganhas com a divindade, sendo que tal pratica é desavergonhadamente chamada de “sacrifício”. Para esses nunca haverá descanso, nem paz e nem a alegria que vem da segurança que se arrima na fé simples. 

Enquanto os crentes obedecerem à espiritualidade de Naamã, o Evangelho não produzirá nenhum bem em suas almas!

 

 

Toda hora me vêm pessoas que me dizem que não entendem como quando passaram a apenas aceitar a simplicidade do Evangelho de Jesus, e crer que está tudo feito e pago, e que a vida com Deus é simples, e que o andar com Jesus é sereno — pois é fruto da confiança no que Ele já fez por todos nós —, tudo começou inexplicavelmente a mudar para o bem em seus corações. Mas alguns estão tão viciados na barganha com Deus e nos muitos e intermináveis sacrifícios de presença a todos os cultos, células, campanhas, atividades, e muita mão-de-obra dedicada aos líderes da “igreja”, que não conseguem nem mesmo crer que o bem que lhes está atingindo é verdadeiro; pois, para tais pessoas, “não é possível que seja só isto”.

Todavia, é simples mesmo; e bem-aventurados são aqueles que não tropeçam na Pedra de Tropeço e nem na Rocha de Escândalo, que é Jesus, e nem na total simplicidade de Seu Caminho, que é o único Caminho de Paz para a vida.

Quem não crê, que faça seu próprio caminho pelos infindáveis labirintos da religião... 

Eu, todavia, me agrado de todo o coração no que Jesus já fez por mim, perdoando todos os meus pecados, me justificando perante anjos, demônios e homens, dando-me a chance de andar com tranqüilidade e paz entre os homens, com o coração pacificado na confiança no amor de Deus, de cujas mãos ninguém e nem coisa alguma pode me arrebatar.

“Quem crê tem...”— disse Jesus. Sim, quem crê tem tudo. Quem não crê, todavia, pode ter tudo — igreja, moral, credo, dogma, sacrifícios, barganhas, etc...—, porém, não terá nem paz e nem descanso, visto que paz e descanso apenas habitam a fé simples, que não pergunta: “Quem subirá aos céus? (isto é: para trazer Jesus à Terra pela encarnação); e nem tampouco diz: Quem descerá ao inferno? (isto é: para dar uma ajudinha a Jesus na ressurreição dos mortos).” 

 

Sim, a fé conforme o Evangelho sabe que a Graça não está longe; ao contrário: sabe que ela está bem perto, na boca e no coração; pois “se com a boca se confessa a Jesus como Senhor..., e, no coração se crê que Deus o ressuscitou dentre os mortos, se é salvo; pois com o coração se crê para obtenção da justiça justificadora de Deus (pela fé), e com a boca se faz a confissão em fé acerca da salvação que já é nossa; e já foi consumada e acabada por Jesus em favor de todo aquele que crê com simplicidade e confiança.

Mas como disse, é essa simplicidade do Evangelho que acaba sendo a Pedra de Tropeço dos crentes. E, assim, deixando a Rocha da Salvação, se entregam às infindáveis barganhas patrocinadas pelos Líderes Fariseus, os quais não contentes em se fazerem filhos do inferno (conforme Jesus disse), ainda desejam corromper a alma de muitos, criando seres atormentados pelas chamas das culpas e acusações do inferno, negando a eles a chance de viverem em liberdade no amor de Deus. 

Portanto, saibam todos: sem fé simples e pura, posta em Jesus, confiante no Evangelho da Graça, não há nem paz, nem alegria, nem espontaneidade diante de Deus, e, sobretudo, não há saúde de alma para viver a vida como Vida, e não como tormento sem fim. 

Ora, quando é assim a religião se torna a ante-sala do inferno!

Nele, em Quem tudo é simples,


Autor : Caio Fabio
Fonte : http://www.caiofabio.com/

Esmagados pela graça

Li “Os Miseráveis” e me assombrei com a genialidade de Victor Hugo. O personagem central da narrativa é Jean Valjean, um egresso das galés. Impressionei-me como Victor Hugo construiu a história desse homem bom que lutou contra circunstâncias difíceis e gente perversa. 


Livre há quatro dias, Jean Valjean não encontrava quem o acolhesse devido ao seu passado. Sua fama o prejudicava. Cansado, com frio e faminto, precisava descansar. Sabendo que o prenúncio de chuva o mataria, Valjean procurou um albergue.
Em vão. Até os cachorros o enxotavam. Desesperado, encontrou uma pessoa que lhe indicou a casa do bispo da cidade, D. Bienvenu. A anônima samaritana disse que o  santo homem de Deus lhe daria hospedagem.

Quando bateu na porta da casa do bispo, Jean Valjean não escondeu sua vida pregressa. Mesmo assim, D. Bienvenu o hospedou, convidou para dividir a ceia e ainda lhe forneceu bons lençóis para a noite de sono. O ex-presidiário, entretanto, ainda padecia os efeitos de uma vida marcada pelo estigma do crime. Valjean ainda estava assustado com o mundo; era como um animal encurralado que precisava se defender. 

Valjean então resolveu fugir da casa do bispo pela madrugada, roubando os talheres de prata. Contudo, não conseguiu ir muito longe. Logo os guardas o pegaram, reconheceram as insígnias do bispo na prataria e o conduziram até a casa que lhe acolhera para ser reconhecido antes de ser devolvido ao cárcere.

Surpreendentemente, D. Bienvenu não só o perdoou como o liberou. Tratou-o com deferência e lhe fez uma pergunta desconcertante: “Estimo tornar a vê-lo. Mas eu não lhe dei também os castiçais? São de prata como os talheres e poderão render-lhe bem duzentos francos. Por que não os levou também”?

Diante do gesto nobre de não levar em conta o roubo e ainda oferecer castiçais, Jean Valjean “arregalou os olhos e contemplou o venerando Bispo com tal expressão que nenhuma língua humana poderia descrever”.

O perdão e o amor gratuito de D. Bienvenu impactou Valjean de tal maneira que sua vida mudou para sempre. O bispo o livrara da acusação da lei, mas o tornava, daí em diante, escravo da bondade. A gentileza, ou a graça, esmagou Jean Valjean. Ele nunca mais pôde ser igual. Ao liberá-lo, o bispo o  fez servo de um gesto de grandeza.

Paulo afirmou em Romanos que Deus conduz as pessoas ao arrependimento por sua bondade. “Ou será que você despreza as riquezas da sua bondade, tolerância e paciência, não reconhecendo que a bondade de Deus o leva ao arrependimento?” (Romanos 2.4).

Portanto, Victor Hugo acertou quando fez de um pastor de almas a encarnação da graça de Deus. Só o amor tem o poder de transformar a vida de qualquer pessoa. Ninguém muda com ameaças; os arrazoamentos doutrinários são impotentes para convencer do que é certo. Jesus ensinou que seus discípulos seriam conhecidos pelo amor e não por uma teologia correta. “Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” (João 13.35).

Mesmo quando  busca arrependimento, Deus não deprecia seus filhos; quando quer humilhar, prefere exaltar; quando deseja constranger, deixa de lado o rigor da lei e opta pelo elogio. Ao invés de ralhar, Deus simplesmente recebe o pecador com festa e aposta no seu futuro. Foi assim que Jesus descreveu o amor do Pai pelo Pródigo. O filho voltava para casa ainda sujo, sem sequer mostrar obras dignas de arrependimento, mas o pai apressado o abraçou, colocou anel no dedo, calçou os pés e o agasalhou com uma capa. O rapaz havia ensaiado um pequeno parágrafo pedindo para ser recebido como “um dos empregados” da casa, mas o velho o interrompeu e deu ordens para que preparassem a festa do bezerro cevado. A partir daquele dia, o filho se tornou escravo da bondade. A generosidade com que foi recebido, mesmo depois de ter se comportado com rebeldia causou um impacto tão grande que o rapaz nunca mais poderia voltar a ser o mesmo.

O mundo está cansado e parece ir de mal a pior. Fomes, guerras, pestes inundam o dia a dia e as pessoas precisam sentir-se amadas. O Evangelho traz a mais alvissareira notícia: "Deus não fecha portas, mas continua a receber os pecadores para restabelecer-lhes a dignidade, sem ameaçar com castigo. Deus gosta de acolher e honrar; dignificar e libertar; desobrigar e gerar compromisso.

Soli Deo Gloria.


Autor : ricardo Gondim

Fonte : http://www.ricardogondim.com.br/