Como essas histórias são diferentes das minhas próprias noções de Deus na minha infância: um Deus que perdoa, sim, mas relutantemente, depois de fazer o penitente contorcer-se. Eu imaginava Deus como uma figura trovejante e distante que prefere medo e respeito ao amor. Jesus, pelo contrário, fala de um pai publicamente se humilhando e correndo ao encontro do filho para abraçar aquele que desperdiçou metade da fortuna da família. Não há nenhum discurso solene: "Espero que você tenha aprendido a lição!". Pelo contrário, Jesus fala da jovialidade do pai — "Pois este meu filho2 estava morto, e reviveu; tinha-se perdido, e foi achado" — e então acrescenta a frase animadora: "E começaram a alegrar-se". O que impede o perdão não é a relutância de Deus — "Quando ainda3 estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão" — mas a nossa. Os braços de Deus estão sempre estendidos; nós é que nos desviamos.
Tenho meditado bastante a respeito das histórias da graça contadas por Jesus para deixar seu significado filtrar-se. Ainda assim, cada vez que me confronto com as suas mensagens surpreendentes, percebo como o véu da desgraça obscurece minha visão de Deus. Uma dona de casa saltando de alegria pela descoberta de uma moeda perdida não é o que vem naturalmente à mente quando penso em Deus. Mas essa é a imagem na qual Jesus insistia.
A história do Filho Pródigo, afinal, aparece numa série de três histórias — a ovelha perdida, a moeda perdida, o filho perdido —, todas destacando o mesmo ponto. Cada uma delas destaca o sentimento de perda, fala da alegria da redescoberta e termina com uma cena de júbilo. Jesus diz realmente: "Você quer saber como é ser Deus? Quando um desses seres humanos me dá atenção é como se eu tivesse acabado de encontrar minha propriedade mais valiosa, que eu considerava perdida para sempre". Para o próprio Deus é como se fosse a descoberta de toda uma vida. É estranho, mas a redescoberta pode tocar-nos mais profundamente do que a descoberta. Perder e depois achar uma caneta Mont Blanc torna o proprietário mais feliz do que no dia em que a adquiriu. Um dia, antes dos computadores, perdi quatro capítulos de um livro que estava escrevendo ao deixar a única cópia na gaveta de um hotel. Durante duas semanas o hotel insistiu em que o pessoal da limpeza havia jogado os papéis no lixo. Fiquei inconsolável. Como iria ter energia para começar tudo de novo, quando durante meses havia trabalhado polindo e melhorando aqueles quatro capítulos? Nunca mais encontraria as mesmas palavras. Então, um dia, uma faxineira que mal falava inglês me telefonou para dizer que não havia jogado os capítulos no lixo. Creia-me, senti muito mais alegria pelos capítulos encontrados do que sentira no processo de escrevê-los.
Essa experiência me dá uma idéia de como um pai deve sentir-se quando recebe um telefonema do FBI contando que a filha seqüestrada há seis meses fora finalmente localizada, viva. Ou de uma esposa ao receber a visita do porta-voz do Exército desculpando-se pelo engano: seu marido não estava a bordo do helicóptero que caiu. Essas imagens dão um mero vislumbre de como deve sentir-se o Criador do Universo quando recebe de volta um outro membro de sua família. Nas palavras de Jesus: "Assim vos digo4 que há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende".
O evangelho não é, de maneira nenhuma, o que nós sugerimos. Eu, por minha vez, esperaria que se honrasse a virtude contra a libertinagem. Eu esperaria ter de me purificar para marcar uma audiência com um Deus Santo. Mas Jesus falou de Deus ignorando o mestre religioso que se achava fantástico e deu atenção a um pecador comum que rogava: "Ó Deus, tem misericórdia".6 Em toda a Bíblia, na verdade, Deus demonstra uma notável preferência por pessoas "autênticas" em vez de pessoas "boas". Nas palavras do próprio Jesus: "Haverá alegria no céu7 por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento".
Em um de seus últimos atos antes de morrer, Jesus perdoou o ladrão que pendia de uma cruz, sabendo muito bem que o ladrão havia-se convertido por causa de puro medo. Esse ladrão nunca estudaria a Bíblia, nunca freqüentaria uma sinagoga ou igreja e nunca acertaria a sua vida com todos aqueles que havia prejudicado. Ele simplesmente disse: "Senhor, lembra-te8 de mim", e Jesus lhe prometeu: "Hoje estarás comigo no paraíso". Foi outro lembrete chocante de que a graça não depende do que fizemos por Deus, mas, antes, do que Deus fez por nós.
Pergunte às pessoas o que elas devem fazer para ir para o céu e a maioria vai responder: "Ser bom". As histórias de Jesus contradizem essa resposta. Tudo que devemos fazer é clamar: "Socorro!". Deus recebe em sua casa qualquer um que o fizer e, de fato, já deu o primeiro passo. A maioria dos especialistas — médicos, advogados, conselheiros matrimoniais — dão-se alto valor e esperam que os clientes venham a eles. Deus, não. Como Sören Kierkegaard9 disse: Quando se trata de um pecador Ele não fica simplesmente parado, com os braços abertos e dizendo: "Venha cã". Não. Ele fica ali e espera, como o pai do filho perdido esperou; ou melhor, ele não fica parado esperando: sai procurando, como o pastor procurou a ovelha perdida, como a mulher procurou a moeda perdida. Ele vai — não, Ele foi — infinitamente mais longe do que qualquer pastor ou qualquer mulher. Ele seguiu calmamente o longo e infinito caminho de ser Deus para se tornar homem e, desse modo, foi procurar os pecadores.
Kierkegaard coloca o dedo sobre aquele que talvez seja o mais importante aspecto das parábolas de Jesus. Elas não são simplesmente histórias agradáveis para prender a atenção dos ouvintes ou vasos literários para guardar verdades teológicas. Elas foram, realmente, o modelo da vida de Jesus na terra. Ele foi o pastor que deixou a segurança do aprisco para sair na noite escura e perigosa lá fora. Nos seus banquetes ele recebeu cobradores de impostos, réprobos e prostitutas. Ele veio por causa dos doentes e não por causa dos sãos, pelos injustos e não pelos justos. E àqueles que o traíram — especialmente os discípulos, que o abandonaram na hora de sua maior necessidade — Ele respondeu como um pai cego de amor. O teólogo Karl Barth, depois de escrever milhares de páginas em sua obra Church Dogmatics (Dogmas da Igreja), encontrou esta simples definição de Deus: "Aquele que ama".
Não faz muito tempo um pastor amigo meu me contou que lutava com sua filha de quinze anos de idade. Ele sabia que ela tomava anticoncepcionais, e várias noites nem havia voltado para casa. Os pais tentaram várias formas de castigo, sem resultado. A filha mentia, enganava, e ainda encontrou um jeito de acusá-los: "A culpa é de vocês, por serem tão rigorosos!". Meu amigo me disse: "Eu me lembro de ter ficado diante da janela da sala de estar, olhando para a escuridão, à espera de ela voltar para casa.
Eu sentia tanta raiva. Eu queria ser como o pai do Filho Pródigo, mas estava furioso com minha filha pelo jeito com que ela nos manipulava para nos machucar. E, naturalmente, ela se machucava mais do que ninguém. Eu compreendi a passagem nos profetas expressando a ira de Deus. O povo sabia como machucá-lo, e Deus gritava sentindo dor. "Mas, vou-lhe dizer, quando minha filha voltou para casa naquela noite, ou quase no dia seguinte, o que eu mais desejava no mundo era tomá-la em meus braços, confessar o meu amor por ela e dizer-lhe que queria o melhor para ela.
Eu era um pai desamparado, cego de amor." Agora, quando penso em Deus, levanto a imagem do pai cego de amor que está a milhas de distância do monarca severo que eu costumava imaginar. Penso em meu amigo de pé diante da janela da sala de estar perscrutando dolorosamente as trevas. Penso na descrição que Jesus fez do Pai que espera, sofredor, insultado, mas desejando mais do que tudo perdoar e começar tudo de novo, para anunciar alegremente: "Este meu filho estava morto, mas reviveu; estava perdido, e foi achado".
Autor : Philip Yancey
Fonte : Livro "Maravilhosa graça", Philip Yancey
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