Como é estranho perceber que o tempo voou mais rápido do que os pensamentos e produziu mais estragos do que a imaginação. Contemplei minha fotografia e mal reconheci o velho que perambulava na imagem morta.
Como é estranho sentir saudade sem saber bem do quê; inquieto-me com o presente a rodopiar feito um tornado, precipitando a vida rumo ao momento derradeiro, quando todas as saudades se tornarão verdadeiras.
Como é estranho olhar ao redor e saber que tenho tão poucos amigos. Antigamente, esperava em cada encontro uma promessa de amizade, em cada aperto de mão uma fidelidade, em cada sorriso uma aliança. Hoje convivo com a tristeza de saber que todos partirão um dia.
Como é estranho notar a idade transformando os antigos fascínios em descaso; encantos que seduziam como sereias, já nem me ocupam. Afasto-me deles como uma raposa de costas para as uvas.
Como é estranho começar a gostar de poesia tardiamente. Já acreditei que os melhores livros de uma livraria ficavam na prateleira da “não-ficção”. Passei ao largo do Vinícius de Moraes, um promíscuo; evitei Machado de Assis, que só escrevia bobagens; e sequer conheci Fernando Pessoa, um possível pederasta. Depois que me decepcionei com pensadores ortodoxos, porém implacáveis, belicosos e intransigentes, acordei. Hoje sei que Deus é poeta e todos os que fazem poesia estão no coração de Deus.
Como é estranho ver as certezas ruírem; eu que já defendi minhas convicções como um Mosqueteiro medieval; que fui inquisidor; que já pedi cabeças na guilhotina e aticei fogueiras para arder hereges. Tantas convicções se esfarinharam diante da dureza do sofrimento humano que, hoje, meu único dogma é o amor. Minha única sede é me humanizar e meu único alvo, não perder a alma.
Como é estranho, de repente, ver a vida com estranheza. Venho me tornando um homem muito esquisito em um mundo que já se acostumou a não achar nada muito estranho.
Autor : Ricardo Gondim
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