Retirando da lama alimenta para alma.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Voz do atrevimento


·                                 Por Pedro J. Bondaczuk


A palavra “atrevimento” (como tantas outras expressões, em qualquer idioma) tem dupla conotação: uma positiva e outra negativa. Geralmente consideramos atrevida a pessoa desconhecida que nos dirige a palavra de forma abrupta, agressiva, senão brutal. Ou a, que sem mais e nem menos, ocupa o lugar que era nosso numa fila qualquer. Ou a que dá uma cantada numa mulher bonita que, visivelmente, “não é para o seu bico” e que não lhe deu, dá ou dará a mínima confiança.
Há, é claro, muitas e muitas outras acepções negativas do termo que nem é preciso mencionar, pois todos as conhecem, de sobejo.. Mas o atrevido, também, é o indivíduo que realiza o que ninguém conseguiu ainda realizar e que tinha toda a aparência de irrealizável.

É o que desafia as circunstâncias e faz coisas admiráveis. É o que encara a vida com coragem e ousa ir contra a corrente, impondo, com argumentos, idéias e convicções, mas com consciência e certeza do que faz, e se dá bem. Para o escritor Henry Miller, “imaginação é a voz do atrevimento”. Esse é o atrevimento que me fascina e me mobiliza. Ou seja, o de imaginar alguma coisa que à primeira vista pareça irrealizável, ousar e tentar concretizar o que foi imaginado, e mesmo que não tiver sucesso, gozar da deliciosa sensação de ao menos haver tentado. 
A realidade, nua e crua, é fria, é feia, é insuportável. A vida – sempre convém reiterar, já que muitos parecem se esquecer disso – não tem reprises. E é muito bom que não tenha mesmo. Seu maior encanto é justamente este, o da novidade, mesmo que às vezes o “novo” nos traga surpresas desagradáveis, não raro trágicas até. O consolo, porém, é que no momento seguinte pode consertar tudo e nos proporcionar alguma alegria que sequer desconfiávamos que fosse possível. Por isso, atrever-se é preciso. Sempre!

A propósito de hipotéticos (e impossíveis) recomeços, a escritora Júlia Lopes de Almeida faz a seguinte constatação, no “Livro das donas e donzelas” (pouco conhecido, mas que deveria ser lido, sobretudo pelas mulheres): “O que torna a vida encantadora é o imprevisto, e a prova é que ninguém desejaria recomeçá-la da mesma forma porque já a viveu, nem creio mesmo que, se tal milagre se pudesse cumprir, houvesse alguém, por mais venturosa que lhe houvesse corrido a curta vida, que tivesse coragem de a recomeçar”.
Honestamente, eu não a teria. Muitos até afirmam, ousadamente (ou seria impulsiva e temerariamente?), que gostariam dessa reprise. Mas são palavras soltas ao vento, sem nenhuma reflexão ou fundamentação, ao sabor do momento. Quando refletem, essas pessoas concluem que o que viveram não foi sequer tão bom assim e muito menos o ideal.

Optam por desejar – reitero, se fosse possível recomeçar a vida – não só por um início diferente, mas também por um meio e fim diferentes, bastante diversos daqueles pelos quais já passaram. Júlia prossegue, em suas considerações: “Corra alguém os olhos, pense, siga o curso da sua existência, e ficará convencido de que só alguns dias lhe mereceram o desejo de serem revividos. Dias? Nada mais que momentos, de inolvidável doçura”.

Valeria a pena, pois, passar, novamente, pelos mesmíssimos dramas, dores, incertezas e aflições pelos quais já passamos, apenas para reviver escassos, pouquíssimos, raros e fugazes momentos de felicidade? Creio que nem mesmo o mais masoquista dos masoquistas gostaria de reviver tudo isso.

Ademais, é possível que no segundo seguinte esteja o tosão de ouro, o Santo Graal, o cálice sagrado da felicidade, que tanto procuramos e que raros encontram algum dia. É verdade que pode estar, também, a morte. Mas isso não há como evitar. Será sempre, sempre um dos tantos riscos que teremos que correr.
Ouçamos, pois, a voz do atrevimento, que algumas vezes não passa de quase inaudível sussurro, mas que em outras é um grito, um brado, um berro a nos desafiar. Não nos acovardemos nos refugiando na comodidade da omissão. Sejamos ousados, posto com a necessária prudência, e criemos as oportunidades que precisamos, caso elas não surjam espontaneamente, como cavalos selados, à espera, apenas, de serem montados.

Sejamos atrevidos, sim, face às circunstâncias, favoráveis ou negativas, não importa. No primeiro caso, para elevarmos ao máximo grau as satisfações que venhamos a conquistar. No segundo, para pelo menos tentar reverter o que pareça (e talvez de fato seja) irreversível. Ousemos sonhar, cada vez mais, cada vez mais alto, cada vez mais intensamente. Ousemos encarar o que outros já encararam, e fracassaram. Ousemos, acima de tudo, dar asas velozes e fortes à imaginação, essa voz alentadora do atrevimento (do saudável e construtivo, convém sempre destacar).

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